A religião ainda é utilizada
por muitos para justificar seu preconceito contra homossexuais. Já passa na
hora, no entanto, da adoção de uma postura mais crítica por parte dos fiéis
sobre o assunto. A Igreja Católica, apesar de demonstrar certo nível de avanço
durante o tempo, ainda tem muito o que reconhecer no que concerne ao amor e à
união civil entre pessoas do mesmo sexo. Frei Betto, um importante teólogo e
religioso que já lançou 58 livros no país, discorre um pouco sobre a questão.
(Marcelo Lima)
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É
no mínimo surpreendente constatar as pressões sobre o Senado para evitar a lei
que criminaliza a homofobia. Sofrem de amnésia os que insistem em segregar,
discriminar, satanizar e condenar os casais homoafetivos.
No
tempo de Jesus, os segregados eram os pagãos, os doentes, os que exerciam
determinadas atividades profissionais, como açougueiros e fiscais de renda. Com
todos esses Jesus teve uma atitude inclusiva. Mais tarde, vitimizaram
indígenas, negros, hereges e judeus. Hoje, homossexuais, muçulmanos e migrantes
pobres (incluídas as “pessoas diferenciadas”…).
Os gays e a religião. |
Relações
entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais em mais de 80 nações. Em alguns
países islâmicos elas são punidas com castigos físicos ou pena de morte (Arábia
Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Nigéria etc).
A
Igreja Católica deu um pequeno passo adiante ao incluir no seu Catecismo a
exigência de se evitar qualquer discriminação a homossexuais. No entanto,
silenciam as autoridades eclesiásticas quando se trata de se pronunciar contra a
homofobia. E, no entanto, se escutou sua discordância à decisão do STF ao
aprovar o direito de união civil dos homoafetivos.
Ninguém
escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, à luz do Evangelho,
a Igreja não tem o direito de encarar ninguém como homo ou hétero, e sim como
filho de Deus, chamado à comunhão com Ele e com o próximo, destinatário da
graça divina.
São
alarmantes os índices de agressões e assassinatos de homossexuais no Brasil.
Mais grave é a violência simbólica, que instaura procedimento social e fomenta
a cultura da satanização.
A
Igreja Católica já não condena homossexuais, mas impede que eles manifestem o
seu amor por pessoas do mesmo sexo. Ora, todo amor não decorre de Deus? Não diz
a Carta de João (I,7) que “quem ama conhece a Deus” (observe que João não diz
que quem conhece a Deus ama…).
Por
que fingir ignorar que o amor exige união e querer que essa união permaneça à
margem da lei? No matrimônio são os noivos os verdadeiros ministros. E não o
padre, como muitos imaginam. Pode a teologia negar a essencial sacramentalidade
da união de duas pessoas que se amam, ainda que do mesmo sexo?
Ora,
direis ouvir a Bíblia! Sim, no contexto patriarcal em que foi escrita seria
estranho aprovar a homossexualidade. Mas muitas passagens o subtendem, como o
amor entre Davi por Jônatas (I Samuel 18), o centurião romano interessado na
cura de seu servo (Lucas 7) e os “eunucos de nascença” (Mateus 19). E a tomar a
Bíblia literalmente, teríamos que passar ao fio da espada todos que professam crenças
diferentes da nossa e odiar pai e mãe para verdadeiramente seguir a Jesus.
Há
que passar da hermenêutica singularizadora para a hermenêutica pluralizadora.
Ontem, a Igreja Católica acusava os judeus de assassinos de Jesus; condenava ao
limbo crianças mortas sem batismo; considerava legítima a escravidão e
censurava o empréstimo a juros. Por que excluir casais homoafetivos de direitos
civis e religiosos?
Pecado
é aceitar os mecanismos de exclusão e selecionar seres humanos por fatores
biológicos, raciais, étnicos ou sexuais. Todos são filhos amados por Deus.
Todos têm como vocação essencial amar e ser amados. A lei é feita para a
pessoa, insiste Jesus, e não a pessoa para a lei.
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