Descrição para cegos: a imagem em preto e branco mostra duas conchas de caracóis em tamanhos diferentes. A concha menor está em cima da maior e, em torno, há pedras. |
Por Cephas Castro
Ali
estava ele, com portas abertas, gaveteiro, maleiro e tudo o que tinha direito:
o armário!
Entrei
sem perceber naquele imenso vazio. Parecia aconchegante até que me sentei e me
isolei naquele refúgio. Fiz dele minha morada, pus mais água no feijão e
diariamente alimentei raiva, medo, vergonha e demais sentimentos negativos. O
mundo para mim já estava fora do eixo, não fazia sentido.Minha filha agora
dizia ser um menino.
Naquele
momento me faltou entendimento e, ao sair, sem perceber ou querer, ela deixou
as portas abertas e entrei para um novo caminho.
Para
mim, homem nascia homem e mulher nascia mulher. O tornar-se, então, novamente não
fazia sentido.
Cultivei
também falsas esperanças de ser uma fase e que tudo passaria. Tranquei em mim,
joguei as chaves fora e ali permaneci por longo período. Minhas preocupações se
juntaram a tantas outras. Sair na rua e ser motivo de chacota, agora era o
maior dos motivos. Estava preocupado apenas comigo.
Dias,
semanas, meses e anos se seguiram. Me senti vítima da minha própria criação. A
educação que dei terá sido o motivo? Culpei Deus, deuses, de Buda a Ganesha,
anjos e santos eu já não os queria comigo.
Os
dias continuaram seguindo.
A
gente procura entender os filhos, mas quem olha pelos pais desses(as)
meninos(as)?
O
que recebi da vida parecia brincar comigo.
O
cheiro daquele armário ia além de naftalina. Como roupas guardadas por muito
tempo, fui aos poucos sucumbindo.
De
sentimentos amarelados e buscando forças resolvi pensar e entender o motivo.
Ah,
meu querido, será mesmo que não tinhas percebido? Falei sem ser ouvido.
Ela
já havia nascido menino!
A
ela não cabe culpa ou aceitação, ela é teu filho!
E
agora? Agora, tudo o que tenho a fazer é mudar o pronome e o artigo.
“Ela”
por ele e “a” por “o” serão os próximos passos deste ciclo. Fui aos poucos reconstruindo.
Me
reeducar era primordial para o meu filho. O preconceito nas ruas infelizmente seria
corriqueiro, e sem proximidade com ele eu não saberia o que tinha acontecido.
Novos
laços precisavam então ser estabelecidos. Perguntei como gostaria de ser
chamado e ele me disse....FILHO! Nos abraçamos e seguimos por esse processo que
foi doloroso – mais para ele – mas o amor sempre esteve envolvido.
O
peso aos poucos estava saindo dos meus ombros e aí entendi o que ele tinha
sofrido. Por anos se olhando ao espelho e não sendo visto.
Foi
um martírio!
Seguimos.
A
estrada não é de tijolos amarelos e há muitos percalços no caminho.
Que
a sociedade possa entender que nem tudo é pré-estabelecido. Que pais e filhos
sejam amigos, que nas ruas todos possam andar tranquilos e que cada um se
preocupe também consigo e olhe o próprio umbigo. E aí, quem sabe um dia sejamos
todos pais, filhos e amigos. E para que ao falarmos de transexualidade não
sejamos enrustidos. Que saiamos todos dos nossos armários que não são
aconchegantes e tampouco tranquilos.
Que
armários sejam destruídos e que caber mais um seja só ao coração de mãe, de PAI
e de quem convive contigo.
TE
AMO, FILHO!
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