Descrição para cegos: Maria posa sorrindo para foto que mostra até a altura da cintura. Ela usa vestido, tem cabelos ondulados e está à frente de barracas de acampamento de uma ocupação estudantil. |
Por Laianna Janu
Estudante
de Letras Português que veio do interior a João Pessoa para fazer universidade,
Maria é trans, militante do Levante Popular da Juventude e da setorial LGBT. Na
continuidade dessa série nossa protagonista traz mais reflexões sobre a
transfobia estrural.
- Nós transexuais, e especialmente as mulheres,
somos atingidas nos setores primários de sobrevivência e com isso não
conseguimos viver de forma plena. O Brasil é o país onde mais se mata trans do
mundo, pois nem nos reconhece enquanto pessoas, nóssomos ‘coisificadas’ para
nos tornarmos objetos descartáveis.
Muitas
transexuais encontram nas ruas o espaço para existência, pois as escolas não
estão aptas para recebê-las, o trabalho também não e a família é a primeira
instituição que lhe expulsa. Não é a toa que mais de 90% das travestis e
transexuais vivem da prostituição, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Antra. Não estamos querendo com isso dizer que seja esse
um trabalho de menor valor, mas sim problematizar a razão dessa atividade ser
praticamente a única alternativa para essas mulheres.
Maria
até chega a comparar as travestis e transexuais com as outras pessoas da sigla
LGBT, dizendo que um gay, lésbica ou bi consegue esconder mais essa realidade
dos pais, do patrão ou da sociedade, mas trans são denunciados pelo próprio
corpo.
Ao
relatar sobre os preconceitos presentes na educação “formal”, Maria traz
exemplos pessoais e de terceiras:
- No sistema educacional essa estrutura transfóbica
só é reproduzida e nós temos dificuldades em utilizar o nome social e o
banheiro do gênero ao qual nos identificamos. Eu participo do programa
transgenalizador do estado e já ouvi inúmeros relatos de estupros coletivos de
mulheres trans dentro de banheiros masculinos. Essa é uma realidade presente
que faz com que essas mulheres acabem fazendo uso dos banheiros dos professores
e funcionários, por exemplo.
As universidades circunvizinhas da UFPB, como a
UFPE e UFSE, têm uma portaria que regulamenta o uso do nome social. Lá, desde o
ato de matrícula nós podemos dar entrada ao processo para utilização do nome do
nosso gênero, mas aqui nós temos que dar entrada em um processo administrativo
todo semestre. Devido a essas burocracias eu nunca tive meu nome social
respeitado e dependo da boa fé dos professores. Graças a Deus, a maioria dos
meus vêm me chamando e tratando como Maria, mas já perdi uma disciplina no
Centro da Educação porque um professor disse se negar me tratar como mulher e
me chamar por Maria, pois para ele eu sou um homem e deveria cumprir esse papel
na sociedade.
Eu tinha bastante interesse em criar um coletivo só
de mulheres trans da UFPB, mas conheço pouquíssimas. Tenho consciência de que
poucas transexuais chegam a acessar o ensino superior.
Sempre quis ser professora de literatura, nunca
entrei na universidade na intenção de seguir a carreira acadêmica, mas quando
cheguei aqui percebi que não havia pessoas trans produzindo e quando não há
sujeitos de uma pauta fazendo e emitindo novos conteúdos, nós vemos outras
narrativas hegemônicas tomarem o nosso lugar. Um exemplo disso é o fato da
transexualidade ainda ser considerada um transtorno de identidade de gênero e
nossa terapia hormonal ser feita por métodos ‘paliativos’. A verdade é que não
há hormônios desenvolvidos para nós, o que usamos de fato são remédios para
mulheres que estão na menopausa ou para homens que estão com câncer de próstata
e precisam reduzir a quantidade de testosterona. Tudo isso é reflexo da falta
de produção acadêmica feita por ou para nós. Por isso
quero estudar e trabalhar cada vez mais para que as pessoas trans se reconheçam
no futuro, para que elas se vejam no máximo de lugares possíveis e tenham uma
auto-estima sempre elevada!
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