segunda-feira, 1 de abril de 2019

Resenha: Pariah (2011), direção de Dee Rees

Fonte - Reprodução. Descrição para cegos: Laura (Pernell Walker), à esquerda, gesticula com as mãos enquanto discute com Alike (Adepero Oduye), à direita, no ônibus.

Por: Mariani Pontes

Escrito e dirigido pela proeminente cineasta Dee Rees, o longa-metragem “Pariah” (2011) narra a trajetória de auto descoberta e formação identitária de Alike (Adepero
Oduye), uma adolescente de 17 anos, negra e lésbica, que mora com sua família de classe média, tradicionalmente evangélica, em Fort Greene, Brooklyn. O filme aborda com grande sensibilidade, as experiências da personagem protagonista nos ambientes que ela ocupa, focando nos núcleos de sua comunidade, família e escola.


Cada espaço representa um âmbito de conflitos internos e externos, o relacionamento que uma jovem mulher negra estabelece com o mundo e o processo pessoal de sentir-se uma inadequada social. Trata-se de uma história reconhecível contada por uma perspectiva deliberadamente silenciada e isso é o que a distingue, tornando a obra tão especial. Enquanto que a estudante exemplar e talentosa escritora vivencia problemas análogos a vida de qualquer outra adolescente (como desilusões amorosas), seu transcurso de amadurecimento é particularizado pela excepcionalidade de se reconhecer a humanidade de uma mulher negra e de todas as possibilidades de sua existência.


Fonte - Reprodução. Descrição para cegos: Alike, à direita, mexe no cabelo de sua mãe, Audrey (Kim Wayans), à esquerda. As duas estão sorrindo.

É importante estar atento a esses espaços na trama, onde Alike se sente mais confortável e mais próxima de sua essência. Em casa ela defende, mesmo que de maneira silenciosa, sua sexualidade. Não há conflitos internos, mas a necessidade de esconder essa parte de si mesma a seus pais religiosos (Kim Wayans e Charles Parnell). A trama faz refletir até que ponto as frustrações de um indivíduo são realmente suas, o modo como se processa e absorve traumas, assim como o papel da projeção dos sentimentos de terceiros nos anos mais formativos de uma pessoa.

Dessa forma, pondera-se sobre o que é necessário para que se chegue, finalmente, numa fase de liberação e libertação. Imersa num cenário predominante afro-americano, a raça é um fator a ser notado na medida em que são avaliadas as relações intracomunais: a lesbofobia dentro da comunidade negra americana, os papéis de gênero e a misoginia. Essa potencialização de ameaças é capturada pelo magnetismo sereno da atuação de Oduye, que reflete no rosto a consciência de sua personagem.

O verdadeiro atrito internalizado de Alike diz respeito a expressar suas vontades, seus desejos, e como se proteger até a hora de se libertar, almejando uma conexão e um compromisso  com outra menina (Aasha Davis). Isso, por si só, é um ato de coragem: vestir e assumir a vulnerabilidade num espaço que já te vulnerabiliza de modo estrutural. O filme, que é semi-autobiográfico, traça paralelos com a vida da diretora Dee Rees,  que também possui suas próprias experiências de aceitação da sexualidade (Rees é lésbica), crescendo como uma mulher negra no sul dos Estados Unidos.

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