Descrição para cegos: foto mostra mãos entrelaçadas de duas mulheres. Parte dos corpos de cada uma aparece na lateral da imagem. Uma veste calça jeans e a outra, saia e blusa. |
Por Laianna Janu
Sim! Eu sou sapatão. Fui apontada semana passada por um cara na rua como uma sapatão porque havia revidado um dele. O elogio era um assédio, mas o sapatão - utilizado como xingamento - é sim meu termo de autoafirmação.
Mas de onde saiu essa ideia que ser sapatão é uma coisa ruim? Estou cansada de ouvir que nós não somos mulheres de verdade, que não queremos ser mães. Quem que inventou todas essas mentiras absurdas? Várias perguntas como essa sempre assolam a minha cabeça.
Senti minha primeira atração por uma menina aos doze anos. Mas como iria falar para meus pais se só escutava, frequentemente, insultos a uma familiar que tinha tido um caso com uma mulher há anos? Como me abrir se só ouvia: "Tudo bem você ser amiga, mas você ser... É demais"? Como poder contar se, quando questionada pela minha mãe sobre minha sexualidade, escutei aos gritos que se ser lésbica fosse minha felicidade teria que esperar ela morrer para poder ser feliz?
Compensei a falta de conversa e apoio de casa com o mundo que me cercava. Em todos os ambientes que frequentava, todos sabiam de mim. Foi assim na escola, no bairro, nos cursinhos e segue assim até hoje.
Creio que a mídia poderia me ajudar nesse enfrentamento na minha família, caso ela nos representasse de maneira mais fidedigna, mas onde aparece a imagem das lésbicas negras, pobres e periféricas? Onde estão as nossas verdadeiras histórias de amor em que duas mulheres simplesmente se conhecem, se apaixonam e se amam? Por que a dramaturgia insiste em nos mostrar como destruidoras de lares da tradicional família brasileira?
Sinto que é fácil posar de "prafrentex" e dizer que não suporta homofobia. Eu quero ver é essas pessoas pararem com a fetichização das lésbicas, como se fossemos uma coisa para "homem ver". Quero ver essas mesmas pessoas perceberem que duas mulheres também podem formar um casal - que mantém relações amorosas - e não precisam de um falo para nos "curar". Essa cura é crime e se chama estupro corretivo.
Eu cansei! Cheguei a um nível de saturação daqueles que não consigo mais levar desaforo para casa, já que lá esse assunto sempre gera grandes discussões. Agora não consigo ouvir algum tipo de preconceito sem retrucar. Às vezes pelo impulso e outras vezes até com certo medo, mas sempre com a vontade de transformar a mente humana de mais e mais pessoas.
Contudo, de vez em quando, alguns episódios extrapolam a raiva e nossa capacidade de reação é amordaçada. Um desses tristes fatos ocorreu quando andava de mãos dadas no shopping da cidade com uma antiga companheira e pude sentir o ódio no olhar de uma mulher que dizia em alto e bom som: "espero que vocês morram". Foi aí que percebi o peso que é, simplesmente, ser o que eu sou, o peso de ser uma sapatão.
Este texto foi construído a partir de relatos de Ana Dias, uma estudante universitária autodeclarada lésbica, que contou um pouco da sua história para este 29 de agosto que, desde 1996, tornou-se o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica em homenagem ao 1º Seminário Nacional de Lésbicas - Senale. Este dia tão importante não é devidamente divulgado, mostrando assim uma realidade muito mais antiga no Brasil do que esses últimos 20 anos: sim, as lésbicas existem e resistem!
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