Recorte do cartaz de Meninos não choram (1999) |
Não é homofobia: uma
história real
por Ruleandson do Carmo
Eu tinha dois
anos de idade e gostava de imitar Michael Jackson, quando o via dançando na TV.
Era louco com ele. Saí um dia com meu pai e fiquei murmurando a música do
Michael e rebolando com minha mãe. "Seu filho já nasceu boiola",
disse o amigo do meu pai que só parou de rir quando fomos embora. Não era
homofobia, ele estava apenas se expressando.
Aos quatro anos
comecei a dançar Ballet no Núcleo Artístico em Belo Horizonte, meus pais,
irmão, avó e madrinha estavam nas apresentações e premiações, o restante da
família e amigos não: "Isso não é coisa de homem. Não faz essas coisas de mariquinha",
eles diziam. Não era homofobia, eles estavam apenas se expressando.
No pré-primário
a professora me colocava sempre junto das meninas, pois os meninos me batiam, e
não gostavam de sentar "perto da bichinha". Não era homofobia, eles
apenas estavam se expressando.
Na primeira
série pedi à diretora para apresentar uma peça de teatro na escola, apresentei
e alguns me xingaram de "boiola, bicha" etc. Meu pai foi à escola
reclamar e a professora disse a ele "tratam seu filho assim porque ele não
é normal". Não era homofobia, eles estavam apenas se expressando.
Na quarta série
um colega de sala me deu um tapa na cara e gritou comigo, "veadinho, essa
vozinha de galinha". Não era homofobia, ele estava apenas se expressando.
Na quinta série,
no colégio, o diretor e a pedagoga mandaram chamar minha mãe. "Seu filho
dança ballet, escreve teatro, só anda com as meninas, não joga futebol. Seu
filho tá virando veado e a senhora apoia, não faz nada?". Minha mãe me
defendeu, a chamaram de louca e ela me levou embora, aos prantos. Não era
homofobia, eles estavam apenas se expressando.
Também na quinta
série, participei das Olimpíadas da escola, na modalidade salto à distância.
Quando você corre e pula, naturalmente seus olhos arregalam. Quando pulei,
jogaram areia nos meus olhos e gritaram "pula, bichinha". Fiquei
alguns dias com os olhos feridos. Não era homofobia, eles estavam apenas se
expressando.
Algumas mães e
irmãs de alguns dos poucos amigos homens que tinha pediram a eles, na minha
frente, para se afastarem de mim, pois poderiam "ficar mal falados".
Não era homofobia, elas estavam apenas se expressando.
Entre a sexta e
a oitava série, me batiam de vez em quando no final da aula, me derrubavam nas
aulas de educação física, alternavam meus apelidos entre "RuleBambi"
e "Bailarina", e sempre repetiam "vira homem, veado". Não
era homofobia, eles estavam apenas se expressando.
Na oitava série
eu queria dançar quadrilha. Nenhuma das meninas quis dançar comigo, elas riam
"Ah, Ru, você tinha que ser mais homem ou dançar com homem". Fiquei
triste, e a professora de educação física disse "eu danço com você".
Não era homofobia, elas estavam apenas se expressando.
No segundo grau
mudei de escola e lá apanhei também. A diretora me mudou de sala, os novos
colegas riam, mas não me batiam. Não era homofobia. Eles estavam apenas se
expressando.
Quando trabalhei
de garçom junto com meu pai, um dia fui sozinho. O cara que ficou de chefe no
lugar do meu pai ordenou que "carregasse sozinho os botijões. Vamos ver se
ele é homem mesmo". Não era homofobia, ele estava apenas se expressando.
Na faculdade, um
colega de turma me agrediu fisicamente, pois eu o abracei quando o vi durante o
almoço. "Tá me estranhando? O que você quer?", me disse ele. Não era
homofobia, ele estava apenas se expressando.
Formado,
trabalhando em um jornal impresso em início de trajetória, meu chefe me
comunicou minha demissão "meu sócio, dono das máquinas disse que não quer
veado no jornal". Não era homofobia, ele estava apenas se expressando.
Pouco depois uma
amiga me convidou para a festa da irmã, eu e nosso grupo de amigos. Todos
ganharam dois convites. Eu ganhei só um. Quando pedi o segundo convite ela me
disse "Ru, é uma festa de família, não fica bem se você for
acompanhado". Não era homofobia, ela e a família dela estavam apenas se
expressando.
Certa vez, na
Savassi, região nobre de Belo Horizonte, estava sentado na praça com meu par,
um cara passou e cuspiu em nós. "Que nojo" ele disse, fomos
defendidos por um policial. Não era homofobia, ele estava apenas se
expressando.
Em 2008, escrevi
sobre o preconceito contra gays e divulguei o texto no Orkut. Uma comunidade
dita católica contra "homofacistas" (como alguns chamam os gays
anti-homofóbicos) fez uma série de denúncias contra meu perfil ao Google,
dizendo ter conteúdo impróprio, me perseguiram e ameaçaram virtualmente. Tive
que criar outra conta no Orkut. Não era homofobia, eles estavam apenas se
expressando.
São alguns dos
tristes trechos dos quais me recordo. Já fui e sou desacreditado, oprimido e
violentado verbal e fisicamente por pessoas que nunca esconderam o motivo para
tal: eu ser gay. Mas, não se preocupe, não vou me fazer de vítima, não vou
culpar a sociedade ou algum participante bronzeado, prateado ou dourado do Big
Brother Brasil. Não, não era homofobia, nunca é. Eles sempre estavam e estão
apenas se expressando. Eu também.
"- Eu não entendi o que você quis dizer...
- Eu não esperava que você entendesse!"(Heroes)
Ruleandson do Carmo, Jornalista, 26 anos, BH/MG, mestre e
Doutor em Ciência da Informação, especialista em Criação e Produção para Mídia
Eletrônica pelo UniBH. Este depoimento foi publicado originalmente em seu blog.
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